Cinema e espaço urbano #4

maio 24, 2010

Na última sessão de maio, o artista multímidia Ran Slavin constrói uma narrativa cinematográfica intervindo sobre as imagens da cidade, a partir de um método típico de Vjing. A paisagem urbana feita imagem no momento de sua manipulação é um personagem que se presta a contorcer-se, a interpretar, a representar estados mentais. E esta intervenção sobre a paisagem é que deflagra o enredo e toda trama.

Alterando a ordem usual dos processos de realização de um filme,  o roteiro aqui nasce depois da fase de pós-produção da imagem.  A narrativa surge aos poucos a partir dessa intervenção digital. Primeiro, a paisagem urbana e todas as suas possibilidades significativas como imagem. Depois, um personagem. Dois personagens. E, então, um enredo que se constrói aos poucos, mergulhado nas imagens da cidade.

The Insomniac City Cycles | Ran Slavin,  2009. 70’

A história de um homem que acorda em um estacionamento em Tel Aviv, ferido por uma bala, com perda de memória recente. Enquanto ele se esforça para lembrar do que ocorreu, uma mulher acorda de um sonho similar em um hotel em Shangai.  Por meio de uma estrutura não-linear e fragmentada, uma série de eventos acontecem nessas cidades divididas por uma vaga noção de realidade, movidas por uma visão real e ao mesmo tempo alucinatória.

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Cinema e espaço urbano #3

maio 17, 2010

Nesse programa, partimos de um clássico do cinema poético e documental (Rain, 1929, de Joris Ivens) e seu esforço por apreender com a câmera instanstes de extrema beleza, recortes da paisagem urbana que constroem um fio narrativo. Ivens já havia feito parte da Mostra do mês  passado (“Narrativas à Deriva”/ Abril) e uma vez mais compõe esta seleção que permite afinal refletirmos sobre a evolução do estado das coisas quando insistimos na relação entre Cinema e Cidade.

Após revermos a poesia de Ivens, nessa mesma sessão, saltamos então para vídeos realizados por artistas na primeira década deste novo século, a fim de verificarmos temáticas e formas de abordagem novas na exploração da cidade como elemento da narrativa: o espaço urbano fílmico, o hipertextual, o midiático.

Rain | Joris Ivens e Mannus Franken, Holanda, 1929, 12’

Formato: 35mm p&b, silence

Um filme sobre a chuva e a cidade. O espaço é a cidade de Amsterdam. O tempo é descrito pela chuva. A paisagem urbana feita imagem no momento de sua captura, conduzindo por si mesma, sem personagem humano, um fio narrativo e poético.

Should we never meet again| Gregg Smith, África do Sul, 2005, 24:48’

Formato: DVD from HD

Atravessando Paris, um jovem segue falando consigo mesmo ao celular, procurando um refúgio para passar a noite. Vai remontando em sua memória todo seu círculo de amigos, sem encontrar entre eles quem possa lhe atender. Ao iniciar este empreendimento, insurge uma crescente revolta e mágoa. Percorrendo o espaço público da cidade, quase como acontece num hipertexto, o personagem frequentemente acessa outros fios narrativos que o levam para um espaço fechado, numa dimensão sem barreiras e convenções sociais.

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Cinema e espaço urbano #2

maio 12, 2010

Still frame do filme "No Quarto da Vanda"

Na sessão da Mostravídeo desta semana, o filme No Quarto da Vanda, do cineasta português Pedro Costa, trabalho ainda pouco assistido no Brasil. Na tela, um específico lugar urbano serve de palco para um registro direto, sem muita articulação linguística. A câmera se posiciona diante desse espaço, foco da observação, e pacientemente espera pelo desenvolvimento de uma ação, de um momento em que os sentidos se apresentem.

O recorte do espaço urbano é o contrato que permite crer numa narrativa que lentamente possa se construir sem manobras. Esse espaço é a condição que autoriza o aguardo de um momento significativo.

No Quarto da Vanda | Pedro Costa, Portugal, 2000, 170’

Formato: Mini-DV, amp. 35mm cor

Norte da cidade de Lisboa. Estamos no bairro de Fontainhas, um lugar em processo de desmaterialização, que  gradualmente é demolido por tratores. A realidade é vista através de um quarto: o quarto de Vanda, uma jovem tóxico-dependente, isolada do mundo exterior e inquieta em relação a seu futuro. Entre ficção e documentário, o filme apresenta um quadro de injustiças sociais sofridas principalmente pela população de imigrantes de Cabo Verde.

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Cinema e espaço urbano #1

maio 3, 2010

Paisagens em movimento

Na filmografia mundial, o espaço urbano sempre serviu de forma privilegiada às narrativas – seja como cenário, seja como uma questão central do enredo ou até mesmo ocupando o lugar privilegiado de um personagem. Mas, se o sentido e a percepção social do tecido urbano se modificaram com o tempo, há como detectar uma transformação nessa relação entre a cidade e o cinema?  E mais: ampliadas pelas novas mídias, as possibilidades de captação,  manipulaçao e fruição das imagens em movimento podem provocar mudanças na percepção da cidade/espaço da narrativa? Nos trabalhos exibidos na Mostravídeo deste mês, diversas estratégias condicionam a narrativa a um modo de posicionar diegeticamente a cidade e seu ambiente construído.

Procurando atualizar as questões que surgem da aproximação histórica entre Cidade e Cinema, a Mostravídeo de Maio traz filmes dos cineastas  Wim Wenders, Pedro Costa, Joris Ivens, Nooshin Farhid, Gregg Smith e Ran Slavin.

Em todos os filmes a serem apresentados, abordagens e apropriações distintas do urbano promovem maneiras de olhar, representar e narrar cinematograficamente a cidade.

O cineasta alemão Wim Wenders está certamente entre o topo da lista de diretores que afirmam que a cidade desenvolve as características de uma personagem em seus filmes. De fato, desde seu trabalho de conclusão de curso Verão na Cidade (1970), o diretor vem perseguindo planos em que a cidade se apresenta aos personagens como o lugar, o objeto e a motivação de suas ações. É assim que a cidade aparece por entre os personagens, mas também à sua frente, à sua mira. De forma metalinguística, a paisagem urbana é sempre discutida como imagem e por vezes esta condição é que gera as ações dos personagens.

Alice nas Cidades
Wim Wenders, Alemanha, 1974, 110 min
Sem conseguir preparar um artigo sobre os Estados Unidos, o jornalista alemão Philip Winter vaga pelas cidades americanas tirando fotos com sua polaróide. No aeroporto, prestes a voltar ao seu país natal, ele conhece uma mulher e sua filha de nove anos, Alice, e os três se tornam amigos. Após o sumiço da mulher, Winter e Alice percorrem diversas regiões da Alemanha em busca da avó da menina – mas a única pista que eles têm é uma foto da fachada de sua casa.

Belo Horizonte | quarta dia 5 às 19h30
Curitiba | quinta dia 6 às 19h30


Transitando pelas ruas de Berlim…

junho 27, 2009

A idéia da realização de uma mostra de vídeos sobre Berlim vem amadurecendo desde 2004, quando tomei contato com a produção de artistas residentes na cidade, ao mesmo tempo em que me deparei com as dinâmicas e contradições em constante movimento desta capital, onde residi por dois anos. Os espaços vazios deixados como feridas da guerra, os deslocamentos entre Berlim oriental e ocidental, com suas diferenças e particularidades, o ambiente multicultural em que a cada dia nos confrontamos com novos estilos de vida e maneiras de pensar e a história que borbulha em cada canto da cidade – tudo isto são apenas alguns aspectos que fazem de Berlim uma cidade tão interessante.

Ao pensar uma mostra sobre Berlim, não pude deixar de refletir sobre os trânsitos e transformações que ali ocorrem com tanta presença… Trânsitos de pessoas das mais variadas procedências e identidades e trânsitos entre o presente e o passado que aparecem em todas as esquinas desta metrópole. Não é por acaso que uma mostra sobre Berlim não inclui apenas artistas alemães, mas também brasileiros, dinamarqueses, americanos, austríacos, poloneses, argentinos e chilenos. Ao trafegarmos pelo metrô de Berlim, ouvimos constantemente as mais variadas línguas e ficamos tentando advinhar qual a nacionalidade daquele que se senta ao nosso lado. É na convivência no espaço público que exercitamos esta democracia, que se inicia com o estranhamento e com a curiosidade sobre o outro e deve desaguar na compreensão mútua e na colaboração criativa.  O contato com o outro, entretanto, nem sempre é fácil e gera conflitos e revisões de preconceitos.  Estas dinâmicas de identidades aparecem com toda a força nesta mostra, sobretudo nos programas 2 e 4.

Se o espaço das ruas é o local onde nos confrontamos com o outro, é também neste espaço urbano que detectamos as transformações históricas impregnadas em cada construção de Berlim. A convivência de estilos arquitetônicos, as estratégias de construção, a destruição pela guerra e abandono, as reconstruções artificiais e saudosistas que tanto marcam esta metrópole poderão ser vistas principalmente nos programas 1, 3 e 5 desta mostra. No primeiro, veremos as mudanças ocorridas na paisagem urbana e o fascínio que a vida das ruas exerce sobre os moradores da cidade, desde o início do século XX até o os dias de hoje. Já o programa 3 dedica-se a um fenômeno extremamente atual: a criação de mundos artificiais pela publicidade e pela moda,  descaracterizando os espaços urbanos tradicionais e afastando-nos de um contato mais próximo com a realidade. Para finalizar, faremos no programa 5 uma volta ao passado, vasculhando entre memórias fluidas e fugidias as marcas indeléveis das transformações.

Aos que quiserem nos acompanhar nesta viagem transformadora, desejo uma bagagem repleta de sensações surpreendentes e percepções inesperadas…

Hugo Fortes