Quem acompanhou os programas da Mostravídeo Itaú Cultural do mês de julho, pode perceber o quão variada foi a programação, apresentando os mais diferentes aspectos da cidade de Berlim. Iniciamos visualizando a paisagem urbana berlinense e suas características formais, passamos a compreender questões políticas e econômicas que determinam o desenvolvimento atual da cidade, percebemos o confronto multicultural de identidades ali presente e passamos agora, no programa 5, a investigar sua memória.
Caminhamos assim em direção ao passado, procurando encontrar hoje o que sobrou dele. Iniciamos portanto nosso programa com um procedimento arqueológico, apresentado no vídeo “Archeology” do artista dinamarquês Daniel Kupferberg. Filmando no porão de um antigo teatro, que serviu para abrigo de refugiados durante a guerra e também como moradia para trabalhadores forçados, o artista recolhe os objetos que ali encontra, tentando reconstruir de forma fictícia um passado destruído. Sem nenhum rigor científico, ao invés de realizar uma documentação do local, o artista deixa que os objetos ali encontrados busquem seus próprios movimentos, sem necessariamente narrar uma história existente. Através da técnica de slow-motion, na qual cada quadro é fotografado separadamente e depois unido em uma sequência, Daniel Kupferberg constroi um trabalho poético no qual a memória é apenas uma possibilidade.

Frame do Vídeo "Archeology" de Daniel Kupferberg
O mesmo local em que Daniel Kupferberg realizou seu vídeo, serve também de inspiração para a artista austríaca Carola Schmidt em seu trabalho “Uma Pulverização em Diversas Poses”. O surreal enredo deste filme reúne três momentos diferentes: no primeiro antigas atrizes revivem como fantasmas tentando um vaga em uma audição; no segundo uma mulher limpa obsessivamente o porão, até se dissolver em seu próprio pó; e por último um homem envolto em sombras come algodão. O clima pesado e lírico é potencializado pelo poema que é lido em off. De grande força visual, os trabalhos de Carola Schmidt arrebatam o observador em todos os sentidos. Dotada de múltiplos talentos, a artista é também poeta, fotógrafa, atriz e musicista, o que torna seus trabalhos únicos. Em muitos de seus vídeos, ela convida outros artistas para realizarem performances em colaboração. Neste filme, por exemplo, ela conta com a participação da artista brasileira Síssi Fonseca e do artista alemão Rabi Georges, que também apresentou o vídeo “I fuck you” no programa 4 desta mostra.

Síssi Fonseca em vídeo de Carola Schmidt
O conteúdo poético de Carola Schmidt, está também presente nos filmes da artista chilena Cláudia Aravena, porém de maneira distinta. Aravena, que residiu em Berlim por vários anos, apresenta na mostra o vídeo “Berlin – Been There/To Be Here”. Neste trabalho, a artista relaciona sua memória pessoal da infância no Chile às imagens captadas em Berlim em sua vida como adulta. Num trânsito entre passado e presente, entre aqui e lá, a artista nos apresenta uma memória fugidia, repleta de questionamentos sobre seu local de pertencimento. Cláudia Aravena já é bem conhecida do público brasileiro, tendo já participado de outras Mostravídeos Itaú Cultural e também do Festival Videobrasil.
Enquanto todos os vídeos anteriores tratam de memórias possíveis, que tentam ser reconstruídas pelas lembranças e sensações, o último filme da mostra, “Berlim: Sinfonia da Metrópole”, é realmente um documentário de época, filmado em 1927 pelo alemão Walther Ruttmann. Um dos primeiros cineastas a documentar Berlim, Ruttmann se destaca entre os precursores do cinema alemão. Embora o interesse deste filme seja documental, podemos perceber a interessante montagem rítmica que Ruttmann confere à linguagem cinematográfica. Vale a pena prestar a atenção à vida diária do início do século XX, num período em que Berlim já se destacava como grande cidade européia. Traçando um paralelo com a Berlim atual que vimos através dos outros filmes, podemos perceber que muita coisa mudou, mas que também é possível identificar algumas permanências.
Trecho do filme Sinfonia da Metrópole, de Walther Ruttmann (versão sem som)
Iniciamos a mostra com o filme “Dinâmica da Metrópole”, finalizado em 2006 a partir de roteiro de 1922 de Moholy-Nagy, contemporâneo de Walther Ruttmann. Ao finalizar com “Sinfonia da Metrópole”, de Ruttmann, encerramos um ciclo, voltando ao começo e embarcando no fluxo da história. Afinal, não há princípio nem fim, tudo é apenas trânsito e transformação…